“Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir”, ensina o poema de Álvaro de Campos, e esta viagem será tão melhor aproveitada quanto a pessoa se permita a sentir. A contemplar.

O tempo é talvez um dos ingredientes principais da psicanálise. A psicanálise contemporânea tem foco na relação – na Nova Relação, segundo Coimbra de Matos – que se estabelece entre o terapeuta e o paciente. Uma relação sã e sanígena, com potencial psicoterapêutico, que só pode ser construída com tempo, como qualquer outra relação significativa. Além disso, o tempo permite-nos fazer o caminho necessário para chegar onde o paciente deseja. A psicanálise anda a pé, não de transportes, que poderiam ajudar a que se chegasse mais rápido, mas que tirariam a oportunidade de se poder contemplar devidamente a paisagem. É nesta contemplação que o autoconhecimento e a mudança surgem. O psicoterapeuta (ou analista) poderia, até, oferecer uma solução ou uma direção ao paciente – dar-lhe o peixe, em vez do ensinar a pescar –, mas estaria a roubar ao paciente não só a sua liberdade, como também a possibilidade de aprender consigo próprio a descobrir qual a direção e a solução a tomar. É mais útil e saudável, mas também mais moroso, que ensine o paciente a pescar, que é como quem diz, a conhecer-se, a refletir e a pensar-se para que no final consiga descobrir, por si próprio, qual é o caminho. Tudo coisas que demoram tempo, porque também faz parte da vida a frustração do desconhecimento, de não sabermos logo qual a resposta e o que devemos fazer.

Os tempos atuais são inimigos do processo psicanalítico. Para além de haver inúmeras abordagens (psico)terapêuticas que prometem soluções rápidas (algumas delas cientificamente pouco ou nada sustentadas), as próprias pessoas que procuram uma terapia psicológica querem essas soluções rápidas e, talvez, até certo ponto, mais fáceis (“rápido e fácil” é hoje em dia muito apelativo). Ora, a psicanálise não é uma terapia fácil para o paciente, não só pelo tempo que processo em si pode levar, como também pela disponibilidade e capacidade contemplativa que vai exigindo do paciente.

Não sei se atualmente haverá tempo para a psicanálise, mas acho que seria importante que houvesse. A psicanálise, pelas suas caraterísticas contemplativas, e por isso necessariamente menos imediatas, foi afastada das instituições (hospitais, escolas, universidades, etc.) onde, na verdade, poderia coexistir com outras abordagens psicoterapêuticas, enriquecendo-as e contribuindo para o processo de mudança das pessoas. O resultado deste afastamento é que passou a estar presente quase unicamente nas clínicas privadas, estando menos acessível à população comum. Na minha opinião, tanto este afastamento da população, como a desvalorização da teoria e da prática por parte das instituições e de alguns profissionais de saúde mental (como se da própria “peste” se tratasse, citando a forma como Freud certa vez se referiu à psicanálise), privou as pessoas de poderem contemplar alguns aspetos do seu funcionamento interno que as poderia ajudar a resolver e/ou prevenir muito do mal estar psicológico que se vive hoje em dia na nossa sociedade.

Para terminar, importa ainda referir que o caminho que é caminhado na psicanálise não é um caminho linear, daí levar tempo. Tão pouco é um caminho solitário, uma vez que é percorrido pelo paciente na companhia do seu terapeuta. Ao longo desta viagem, no caminho do autoconhecimento, vão seguramente haver avanços, retrocessos, momentos de paragem, de sensação de que não se caminha para lado nenhum e de vontade de desistir. Tudo isto é o que é esperado (e nem pode ser de outra forma) num processo de autoconhecimento onde se quer mudança e crescimento. Naturalmente, esta viagem leva tempo, mas é este tempo – o processo, o caminho – que torna possível uma aprendizagem e um fim realmente satisfatório.

“Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir”, ensina o poema de Álvaro de Campos, e esta viagem será tão melhor aproveitada quanto a pessoa se permita a sentir. A contemplar.

 

*escrito com acordo ortográfico, por escolha do autor.

Manuel Romão

Manuel Romão

Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta
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"...importa ainda referir que o caminho que é caminhado na psicanálise não é um caminho linear, daí levar tempo. Tão pouco é um caminho solitário, uma vez que é percorrido pelo paciente na companhia do seu terapeuta".