Opondo-se à idealização com que tendencialmente se pinta a infância, a adolescência é um período em que muitos jovens e seus pais, se pudessem, fariam um fast forward. A quantidade de livros que incidem sobre esta fase da vida, seja numa lógica de autoajuda para quem por ela navega, se prepara para zarpar, seja para pais e profissionais de saúde e educação, rivaliza a literatura acerca da gravidez e primeiros tempos de vida.
É como se, não havendo, de facto, um rompimento com a história da pessoa, seus recursos e características, ainda assim se tratasse de um renascimento violento e abrupto, para o qual é necessário estrar-se preparado o melhor possível – armado até aos dentes com evidência científica.
Na verdade, a adolescência é um processo, aliás, é um processo adaptativo e de amadurecimento mental que se constrói sobre a puberdade, que diz respeito ao desenvolvimento relativamente rápido dos caracteres sexuais secundários.
Enquanto a puberdade ocorre entre os 12 e os 14 anos, para a Organização Mundial de Saúde, a adolescência está compreendida entre os 10 e os 19 anos – dos 10 aos 14 a pré-adolescência e, posteriormente, a adolescência propriamente dita, ainda que, alguns autores, pelo alargamento do tempo de estudo e adiamento da maternidade/paternidade, sustentem que é uma fase que vai dos 10 aos 24 anos.
Neste período, a partir das mudanças corporais inerentes à puberdade, dá-se o término da infância e precipita-se uma série incontornável de perdas que vão predispor o/a jovem à depressão e, concomitantemente, a reformulações identitárias.
Concretizando: com o insurgir das características do corpo assexuado, e a mudança da imagem corporal, dá-se uma desconfiguração da relação com os pais e suas representações – nem o próprio é quem pensava ser, nem o são os seus pais (o mesmo sendo vivido pelos mesmos em relação aos filhos) – e pavimenta-se o caminho para novos tipos de relacionamento de intimidade com os pares.
É uma altura marcada pela exploração, em que se define a personalidade, valores, identidade sexual, vocações profissionais e ideológicas, por exemplo, política e religiosa.
Poderá ser a adolescência um período de risco?
A despeito do foco comumente colocado em comportamentos desviantes, destrutivos e autodestrutivos, a adolescência é um processo de adaptação que visa a passagem da infância para a fase adultícia.
Não obstante, no decurso da adolescência, a acumulação de perdas, a necessidade de pertença, minada por possíveis e traumáticas experiências de bullying e exclusão, por contextos relacionais abusivos; a dificuldade em se saber quem é e o que se quer, a pressão, nalguns casos, gigantesca para se atingirem bons resultados e se escolher um caminho profissional, podem resultar num sofrimento cujos sintomas são amplamente conhecidos e associados a esta fase.
Falamos de consumos de álcool e drogas, comportamentos sexuais de risco, alterações do comportamento alimentar, como a anorexia e bulimia, por exemplo, e comportamentos que pela ausência de reflexão entre estímulo e resposta, são impulsivos: automutilações, tentativas de suicídio e suicídio, roubos, lutas de rua, condução sem carta e vandalização de edifícios – as denominadas “passagens ao ato”.
Neste âmbito, a psicoterapia corporiza um meio relacional em que a expressão emocional, fomentada num espaço seguro, permite sentir e pensar o sofrimento e desconforto, assim como, respeitando a necessidade e crescentes capacidades de autonomia e autodeterminação do adolescente, fazer a ponte com os seus outros contextos relacionais.
O espaço psicoterapêutico permite dar um significado aos sintomas e pode constituir-se como um aliado nesse período critico, incontornável e determinante para se atingir interdependência relacional e se experimentar bem-estar.