Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver?

Quando alguém se vai embora de repente como é que faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa – como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está? As pessoas têm de morrer, os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar. Sim, mas como se faz? (excerto do texto «Como se esquece alguém que se ama?, de Miguel Esteves Cardoso).

O processo de luto acontece aquando uma perda significativa na vida de uma pessoa, uma perda que pode ser vivida em diferentes situações e que não se prende, somente, com a vivência da morte de uma pessoa importante. O luto pode ocorrer quando se perde o emprego, quando existe uma separação, quando acontecem alterações corporais drásticas ou repentinas, quando se alteram as condições de vida, quando se muda de residência e até no percurso do processo natural de crescimento psico-emocional.

A dor de perder alguém ou algo é tão poderosa que cada um recorre a diversas formas de se defender perante o sofrimento. Segundo o psicanalista Bowlby, quanto maior a vinculação (ou seja, o apego, a ligação) ao objecto perdido (alguém ou algo), maior será o sofrimento e a dor do luto. Costuma-se dizer, na gíria, que o tempo cura tudo e, de facto, o factor tempo é um importante aliado na questão do luto. Mas esperar que o tempo passe não basta; é necessário realizar-se uma série de tarefas que permitam ultrapassar esta dor, preparando o espaço deixado vazio para, mais tarde, ser novamente preenchido.

Apesar de ser um processo que varia consoante a pessoa e a idade, são comuns os sentimentos de tristeza, de raiva e de culpa, a ansiedade e o sentimento de solidão, a apatia e o desinteresse, o estado de choque e a sensação de desamparo. Também se podem desenvolver sintomas físicos como vazio no estômago, aperto no peito, nó na garganta, extrema sensibilidade ao barulho, sensação de falta de ar, fraqueza muscular, falta de energia e sensação de boca seca. Em conjunto com estes vários sentimentos e emoções, é natural que se desenvolvam perturbações de sono (principalmente insónias), perturbações de apetite (mais comum a diminuição, mas também pode ocorrer o aumento de apetite), perturbações na atenção e concentração e isolamento social.

Estas emoções e comportamentos vão surgindo ao longo das tarefas do processo de luto que, segundo Bowlby, organizam-se da seguinte forma:

  • Fase de choque e negação, na qual a pessoa pode sentir-se como desligada da realidade, meio atordoada e desamparada, imobilizada e perdida. A negação surge como defesa contra a dor da aceitação da perda;
  • Fase do protesto, que se caracteriza pelas emoções fortes, pelo sofrimento psicológico e pelo aumento da agitação física. Nesta altura, podem manifestar-se sentimentos de raiva contra si próprio (por não ter conseguido fazer mais nada) ou contra outros significativos;
  • Fase do desespero, que se associa a momentos de apatia e depressão e que pode conduzir a um isolamento social e a um desinvestimento nas actividades diárias, aumentando o desinteresse, as dificuldades de concentração e os sintomas físicos (como insónias, perda de peso e de apetite, entre outras);
  • Fase da desorganização e reorganização que permite que a pessoa aceite a perda, integrando a a importância do objecto perdido e do seu significado no dia-a-dia.

E o que acontece quando não se consegue realizar estas tarefas? Poderá desenvolver-se uma situação de luto patológico, na qual se assiste a uma fixação numa das fases. No luto patológico, a pessoa vive com maior intensidade os sintomas acima descritos, prolongando-os no tempo e conduzindo a complicações efectivas na vida quotidiana.

Nestes casos, deve-se recorrer a ajuda especializada. A psicoterapia poderá ser encarada como uma mais-valia, pois constitui-se como o espaço no qual a pessoa pode livremente expressar as suas emoções e verbalizar os seus pensamentos, trabalhando estratégias e mecanismos internos que permitam evoluir no processo do luto.

Andreia Cavaca

Andreia Cavaca

Directora Clínica | Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta
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"Mas esperar que o tempo passe não basta; é necessário realizar-se uma série de tarefas que permitam ultrapassar esta dor, preparando o espaço deixado vazio para, mais tarde, ser novamente preenchido."