"A falta de serenidade conduz a nossa civilização a uma nova barbárie. Nenhuma era valorizou mais os seres ativos, isto é, os inquietos. Uma das correções que urge, pois, fazer ao carater da humanidade é desenvolver, e em larga medida, o seu lado contemplativo". Friedrich Nietzsche

Vivemos no tempo das coisas rápidas e instantâneas. Procuramos soluções rápidas, temos pouco tempo para coisas que demoram tempo e, com o foco num fim, tendemos a subvalorizar o processo. Talvez, tudo isto, nos impeça de chegar a um fim real. Esta forma de estar, que carateriza os dias e a sociedade de hoje, não só afeta a nossa relação com o mundo e com os outros, como também a relação connosco próprios, como se não nos permitíssemos a parar para contemplar e saborear o processo e as etapas das coisas. Existe pressa para algo, que muitas vezes não se sabe bem o que é. Talvez estejamos de facto a viver uma crise temporal, onde para além das dessincronias, e faltas de ritmo, dá-se primazia ao trabalho, à produção e à solução, como se de máquinas nos tratássemos (vita ativa), deixando de parte outros aspetos da vida que são igualmente importantes. Existe então um desequilíbrio, que só poderá ser resolvido com a revitalização da vita contemplativa, ou seja, se conseguirmos parar para ver, para reparar e até para sentir, passando este modo contemplativo a coexistir com a vita ativa.

Parece-me que esta atitude atual está presente em vários aspetos da nossa vida: nas relações, no trabalho, nas rotinas, no estilo de vida e na saúde, nomeadamente na saúde mental. Muitas vezes, nesta área, as pessoas querem respostas e soluções rápidas para algo que não pode ter uma resposta tão imediata. Por um lado, é compreensível que o queiram – existe a vontade em se sentir melhor, e além disso a saúde segue um modelo médico onde se consegue prever, com alguma certeza, a duração dos tratamentos –, mas por outro lado é também o imediatismo do contemporâneo que em muito contribui para esta atitude, tendo, a meu ver, um prejuízo no tratamento pretendido.

Pelas suas caraterísticas e objetivos a que se propõe, a terapia segundo uma abordagem psicanalítica tende a ser um processo longo. Não existe um tempo mínimo e máximo definido para a sua duração, uma vez que esta irá sempre depender, para além de questões idiossincráticas da pessoa, dos objetivos, da motivação, e da disponibilidade de quem procura esta abordagem. Mas dificilmente se fará uma terapia psicanalítica bem feita em alguns meses. A psicanálise parte do princípio de que a personalidade não se origina apenas de fatores genéticos e orgânicos, mas também de experiências cruciais com um papel fundamental na nossa vida. Estas experiências, que são vividas na infância, e ao longo do curso de vida, não só na família, como também noutros ambientes onde existam pessoas que desempenham um papel emocionalmente importante, são constituídas por aspetos inconscientes e capazes de influenciar o modo como nos posicionamos na vida, connosco próprios e na relação com os outros, sem que dêmos conta disso ou entendamos o porquê de assim ser.

Um dos contributos que a psicanálise pode dar é ajudar a pessoa a compreender a forma como se tem posicionado na vida (que, provavelmente, lhe está a causar mal estar) e de que forma poderá mudar, protegendo-se de certos padrões e comportamentos que vem a repetir ao longo da vida. A psicanálise não é uma técnica nem um corpo teórico rígido que se tenta impor teimosamente contra as mudanças que vão acontecendo na evolução e nas novas formas de estar da sociedade. Pelo contrário. Foi desde a sua origem questionada pelos próprios psicanalistas e alterada conforme as novas teorias e práticas que iam sendo pensadas e desenvolvidas. Por exemplo, originalmente, o tratamento psicanalítico, proposto por Sigmund Freud no final do século XIX, seguia uma frequência diária (quatro a cinco vezes por semana), algo que se enquadrava numa sociedade vienense abastada, mas que não me parece que se adaptaria numa sociedade contemporânea tanto por questões monetárias, como de tempo e estilo de vida. Além destas mudanças, desde a sua origem, a psicanálise tem também vindo a sofrer algumas mudanças teórico-práticas. Depois de Freud, muitos outros psicanalistas repensaram a teoria psicanalítica inicial, o que permitiu que surgisse uma psicanálise mais contemporânea e capaz de dar uma resposta mais adequada aos contextos e problemas atuais. Apesar destas mudanças e adaptações que, tal como os processos sociais, foram evoluindo e surgindo naturalmente ao longo do tempo, existem algumas questões que não podem ser tão facilmente mudadas, até porque se constituem como a identidade da técnica e da teoria. E a duração do tratamento é, a meu ver, uma delas.

Enquanto psicoterapeuta de orientação psicanalítica, uma das questões que sei que, mais tarde ou mais cedo, vai surgir em sessão é a questão do tempo do processo. É comum ouvir algo do género “Estamos aqui há tanto tempo e ainda não resolvi os meus problemas” ou, então, “Quando é que isto vai terminar? Quando é que já não preciso mais de cá vir?”. Parece-me que, quando uma questão deste género surge, a pessoa está mais focada em encontrar uma solução para o problema do que em usufruir do processo. Grande parte das vezes, ao só olhar para o fim, a pessoa que coloca estas questões, não repara que já existem mudanças. Não olha para o que está a acontecer à sua volta (ainda não contempla). O problema não será tanto ter o foco no fim – é o objetivo que nos norteia –, mas sim a impaciência para conseguir suportar que o fim não pode vir tão rápido quanto se gostaria. Citando António Machado, “o caminho faz se… caminhando” e no que diz respeito à psicanálise, o caminho acaba por ser muito mais importante do que a chegada. Ao caminharmos numa direção, temos a oportunidade de ir contemplando o que está à nossa volta, descobrindo certas coisas e observando melhor outras, que já lá estavam, mas que nos passavam despercebidas. Se calhar, algumas vezes, o destino final pode até mudar, porque descobre-se, ao contemplar, que um outro fará mais sentido.

 

*escrito com acordo ortográfico, por escolha do autor.

Manuel Romão

Manuel Romão

Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta
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Citando António Machado, “o caminho faz-se... caminhando” e no que diz respeito à psicanálise, o caminho acaba por ser muito mais importante do que a chegada.