Muitas vezes, e quase sem nos apercebermos, a nossa dinâmica afetiva tem expressão na forma como nos alimentamos.

Os rituais e rotinas alimentares nutrem e dão estrutura. A comida não é só comida e o alimento material está associado ao alimento afetivo. Numa fase inicial do desenvolvimento infantil, a alimentação surge enquanto momento privilegiado de proximidade da criança com as suas figuras prestadoras de cuidado, e reforça a sua representação interna de que está a ser cuidada e amada.

Os alimentos podem estar carregados de simbolismo e evocar determinadas memórias e recordações, podem representar segurança e conforto. Muitas vezes, e quase sem nos apercebermos, a nossa dinâmica afetiva tem expressão na forma como nos alimentamos. A relação que estabelecemos com a comida ultrapassa a necessidade fisiológica, podendo estar associada a determinados conflitos internos e fragilidades emocionais.

Os padrões alimentares desequilibrados surgem geralmente sob a forma de restrição ou compulsão alimentar; da voracidade à falta de apetite, da fome de afetos ao medo de sentir. Por detrás destes comportamentos podem estar situações de mal-estar e sofrimento psicológico, nomeadamente: stress, ansiedade, luto, situações de crise e sentimentos de inferioridade e insegurança. Nestes casos, a comida assume uma função reguladora, por favorecer o escape das emoções, amortecedor de afetos e mecanismo de controlo. Os excessos com a comida podem servir para preencher vazios emocionais, a gratificação substituta, mas também para proteger contra afetos e desejos intrusivos ou para descarregar tensões. O controlo excessivo da alimentação pode ser uma tentativa de compensar a falta de controlo que sentimos noutros aspetos da vida, por ser mais fácil controlar o que comemos do que a forma como nos estamos a sentir.

Padrões alimentares desequilibrados podem estar ligados a instabilidade emocional, sob a forma de carência, insegurança ou fragilidade, e merecem a devida atenção e enquadramento. Além da necessidade de alimento físico, fonte de nutrição e energia, precisamos também de alimento emocional, de afeto e amor. O acompanhamento psicológico pode ajudar a encontrar outros ingredientes afetivos que alimentem melhor o mundo emocional, a alimentação do colo e das palavras. Somos aquilo que comemos, mas também comemos conforme nos sentimos.

*escrito com acordo ortográfico, por escolha do autor.

Marta Ribeiro

Marta Ribeiro

Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta
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"Somos aquilo que comemos, mas também comemos conforme nos sentimos".