Afinal, de quem é a responsabilidade de educar e o que precisam os filhos de sentir para que cresçam física e emocionalmente saudáveis? Acreditamos que o papel de educar, ou seja, ensinar no afecto, diz respeito aos pais.
Os professores têm o papel de educador no sentido da aprendizagem e na linguagem dos números e das letras. Podem, através da sua figura, transmitirem mais do que isto, transmitirem os conhecimentos também eles pelo afecto, mas esse não é a sua principal função. Assim, educar para ser pessoa passa pelas mãos dos próprios pais e não da escola.
Hoje em dia, como estarão as nossas crianças a serem educadas? Com a correria dos dias, o pouco tempo para se conviver em família, os trabalhos extenuantes, a tendência começa a ser evitar “desiludir” os filhos, uma vez que já se sente que se “desilude” de outras formas. Por isso, a palavra “sim” faz muitas vezes mais parte do dicionário da relação pais-filhos, do que o “não”. Mas é importante dizer que “não” aos filhos, como já reflectimos neste artigo (Dizer “não” aos filhos – Porquê?). E que mais é importante?
Na conferência “Vínculos Fortes, Filhos Felizes”, realizada em Lisboa na passada semana, Gordon Neufeld, psicólogo clínico canadiano, defendeu que só se atinge o bem-estar através da educação e que para garantir o bem-estar de qualquer ser humano ou sociedade é preciso preencher seis necessidades:
– Aprender a crescer: para crescer é necessário que a criança também chore, se sinta frustrada, seja confrontada, perceba e viva conflitos. Todas estas situações mais angustiantes vão proporcionar à criança o amadurecimento fundamental para ser e estar com o outro, tornando-a mais resiliente e mais capaz de reagir melhor face às adversidades futuras da vida;
– Estabelecer relações fortes e profundas com adultos: as primeiras relações estabelecidas com adultos são, à partida, as relações com os pais. Como se estabelecem relações fortes? Será apenas preciso estar lado a lado com o filho? Não. É fundamental que a criança sinta que os pais a amam, genuinamente. E que ela ama os pais, também, no mesmo grau de honestidade. Só conseguimos amar se tivermos sentido, alguma vez, que fomos amados. E o amor é o que une e fortalece as relações com o outro;
– Lidar com a separação: independentemente da honestidade da relação, as crianças desenvolvem quase sempre o medo da separação. Quanto mais unidas estão, mais receios têm de perder o outro. Como evitar que as crianças fiquem ansiosas perante o momento de separação, como por exemplo os momentos de irem para a escola ou de dormirem? Permitir que a criança sinta que existe continuidade na relação. Que, apesar de se estarem a separar naquele preciso momento, depois voltarão a estar juntas.
Caso contrário, as crianças desenvolverão um permanente estado de ansiedade face a separações, o que se pode reflectir futuramente em adolescentes sedentos de contacto (nem que seja por sms ou chat’s online), colocando-se em risco de se ligarem a pessoas estranhas e com intenções desadequadas; e em adultos com problemáticas de dependência e sentimentos de falta de autonomia.
Para contrariar este sentimento de medo, os pais podem reforçar a relação, nos momentos de separação, com expressões como “até logo” ou “até amanhã”, permitindo que a criança interiorize que, após aquele momento longe dos pais, haverá um momento seguinte de reencontro, com a certeza que os pais estarão à sua espera.
– Promover o descanso: para garantir o melhor bem-estar dos filhos é preciso promover o seu descanso e, para isso, os pais têm que estabelecer regras e limites nas horas de deitar e acordar. Os filhos esperam que os pais, por serem adultos, consigam assegurar elementos da sua sobrevivência (como o dormir e o comer) para os quais eles ainda não se encontraram totalmente preparados para o fazer.
– Promover a brincadeira: brincar é fundamental para o desenvolvimento de qualquer criança; e brincar não é, como nos tempos de hoje, estar cinco horas seguidas em frente a uma playstation ou a um computador. Brincar é correr, pular, manipular brinquedos e conquistar desafios em jogos lúdicos. Brincar é descobrir e conhecer o seu corpo e o mundo em redor. Brincar é poder deitar-se no chão e rebolar pela relva, dar um chuto numa bola, pentear uma boneca, desenhar e pintar… brincar é, no fim de tudo, expressar-se livremente.
– Sentir emoções: por vezes, existe a tendência para os pais se focarem apenas na aprendizagem e no comportamento, esquecendo-se que por detrás destas questões existem sentimentos. Quanto mais a ênfase for colocada em questões funcionais, mais é a tendência de as crianças deixarem de compreender emoções. Os pais devem promover um espaço seguro para que a criança explore os seus sentires, sem que estes se reflictam necessariamente no agir ou nas notas.
Assim, educar os filhos parece que se torna uma tarefa mais fácil pois percebe-se que, acima de tudo, o que se privilegia na educação de uma criança é a honestidade da relação estabelecida entre pais-filhos e a concepção adequada de qual o papel e função de cada progenitor. E será que, apesar desta conclusão, a tarefa torna-se realmente mais simples? Ou será que o nosso maior desafio, enquanto pessoas, é na verdade estar em relação com o outro?
Fonte: Público